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25 de Abril de 2024

Crise econômica freia denúncias de assédio sexual no Brasil

Publicado por Vinicius Oliveira
há 7 anos

Uma auxiliar de escritório apalpada pelo chefe numa reunião após repelir suas investidas. Uma balconista assediada após ser levada até o fundo da loja pelos patrões. Uma produtora de televisão provocada diariamente pelos superiores para mostrar os peitos.

Os três casos foram relatados à Folha e têm algo em comum —nenhum foi denunciado pelas vítimas, que tiveram medo de perder o emprego ou sofrer violência ainda maior.

O número de denúncias de assédio sexual no trabalho e ações na Justiça por esse motivo, que vinha crescendo com a expansão do movimento feminista no país nos últimos anos, perdeu força com a recessão e o desemprego.

Dados do Ministério Público do Trabalho mostram que 2015 representou uma interrupção num movimento de alta que vinha sendo registrado desde 2012 no volume de denúncias, estimuladas por campanhas de conscientização do órgão sobre o assédio.

De 146 casos registrados em 2012, o número de denúncias aumentou todos os anos até atingir 250 em 2015 —ano em que as demissões no setor formal da economia superaram as contratações em 1,5 milhão de vagas, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

Em 2016, que marcou o segundo pior saldo negativo do emprego na história —com 1,3 milhão de vagas perdidas— o número de denúncias de assédio sexual se estagnou em 248. Neste ano, foram 144 até julho.

A auxiliar de escritório ouvida pela Folha, que trabalha na área de educação, disse ter sido perseguida por um gerente após se recusar a ter relações sexuais com ele. Ele a chamava para sua sala com o pretexto de discutir trabalho, tocava nos seus seios e a intimidava. Às vezes ia até sua mesa e esfregava o pênis nela.

A produtora de TV relatou à reportagem que era assediada todo dia por um chefe que fazia comentários sobre seus peitos e insinuava que ela deveria transar com ele. O assédio era feito em público, e passava por brincadeira.

O procurador Ramon Bezerra dos Santos, do Ministério Público do Trabalho, afirma que é muito difícil apurar um caso de assédio sexual no trabalho. “O trabalhador que presencia essas situações muitas vezes pensa que vai prejudicar o patrão e pode perder o emprego se falar”, diz.

As ações movidas pelo MPT, com base na apuração das denúncias das vítimas, têm como objetivo responsabilizar a empresa pelo assédio. Empregadores condenados têm que pagar indenização às mulheres e assinar termos de ajuste de conduta.

Para responsabilizar o agressor, as vítimas devem ir à Justiça comum cobrar danos morais, ou denunciar o crime à polícia. Se o assédio ocorre em órgão público, o caminho é um processo administrativo.

O assédio sexual só é crime no Brasil quando acontece no ambiente de trabalho. É definido como “constranger alguém” para “obter vantagem ou favorecimento sexual”, aproveitando-se da condição de superior hierárquico.

É o que relata ter sofrido Viviane Magalhães, 45. Ela começou a trabalhar cedo, com cerca de 15 anos, e conta que foi assediada no segundo emprego, uma loja de roupas no bairro onde morava. Magalhães afirma ter sido tocada pelos três donos da loja.

“Eles chegavam na manha. ‘Senta aqui, vamos conversar.’ De repente, pegavam na sua mão. De repente, tocavam. Você se assustava”, diz. “Descobri que as outras também eram assediadas. O que me impressiona é a nossa inércia para lidar com a situação.”

Como outros crimes de violência sexual contra a mulher, o assédio sexual no trabalho é subnotificado. No Estado de São Paulo, foram registrados apenas 159 boletins de ocorrência até julho. Em todo o ano de 2016, foram 267.

Segundo o Ministério Público do Trabalho, não há setor de atividade econômica que concentre número maior de casos. O problema é pulverizado, dizem os procuradores.

“O que mais me enojava, me causava arrepios, era quando eu estava no balcão da loja e ele vinha por trás. Sentia a respiração dele no meu ouvido, o toque de passar atrás de mim”, diz C.V., sobre o dono da joalheria em que trabalhava. “Aquilo me fazia sentir um lixo. Era o chefe, não dava para empurrar, eu tentava ir para a frente.” Assim que se casou, ela foi demitida.

MEDO DE DENUNCIAR

Na hora de denunciar o assédio no ambiente de trabalho, é difícil superar o medo de perder o emprego ou ficar estigmatizada, afirmam as vítimas e ativistas feministas.

“Sinais de uma relação belicosa com a empresa são sempre um obstáculo, e quem vai julgar isso são os homens, porque a alta liderança não é feminina”, diz Cida Bento, diretora do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades. “Para mulheres negras, é ainda pior.”

Marina Ruzzi, advogada especializada em violência contra a mulher, a “precarização dos vínculos trabalhistas” explica a diminuição das denúncias de assédio sexual.

“Já fui procurada por mulheres que não tinham carteira assinada e não podiam buscar a Justiça do Trabalho”, explica. “Se a mulher trabalha como pessoa jurídica, tem que acionar a Justiça cível pedindo danos morais, o que é mais difícil de caracterizar que assédio sexual.”

Para o procurador Bezerra dos Santos, a interrupção da tendência de aumento do número de denúncias vai na contramão do movimento de conscientização feito nos últimos anos. “Na verdade, deveria ter aumentado, e não diminuído, porque agora as pessoas estão mais esclarecidas”, diz.

Dentre as denúncias, sempre foi baixo o volume que desencadeia ações, inferior a 10% dos casos, segundo ele.

“Mulheres e homens deixaram de entender que violência é só porrada, estupro e feminicídio. A puxada de braço, a cantada no trabalho, tudo isso começou a ser lido como violência”, diz a escritora Antonia Pellegrino, uma das criadoras do blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha.

“Isso é fruto direto da pauta feminista, de debates que cresceram nos últimos anos, marcadamente a partir de 2011, com a marcha das vadias [movimento que surgiu no Canadá pelo fim da culpabilização de vítimas de estupro]. A campanha do ‘Chega de Fiu Fiu” [iniciativa criada para combater o assédio sexual sofrido pelas mulheres em locais públicos] também é fundamental”, ela afirma.

FACULDADES

A mudança cultural se manifestou também no surgimento de coletivos feministas em faculdades onde a presença masculina é tradicionalmente predominante.

Leticia Kanegae, aluna da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo, responsável por coordenar a participação dos alunos em projetos que procuram promover a diversidade na instituição de ensino, diz que a noção de ética na universidade tem evoluído. “Antes, o código de conduta dos estudantes só abordava temas ligados a cola”, afirma.

Em sua experiência como estagiária, ela diz ter percebido como são recorrentes declarações machistas e de banalização da palavra estupro.

“Quando dá errado uma programação, eles dizem que foram estuprados pela máquina. Quando falam palavrão, pedem desculpa para as mulheres que estão no mesmo ambiente”, afirma Kanegae. “Parece que a gente precisa pedir licença para estar no escritório.”

Fonte: Folha de São Paulo, por Joana Cunha e Natália Portinari, 28.08.2017

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Pelos comentários de alguns homens aqui, nota-se que o assédio sexual é comum, e se a mulher tiver medo de perder o emprego, é "conivente" e "não pode reclamar" ou ainda ela tem que avisar que está no local de trabalho, não em um bar de paquera (pelo visto, muitos não sabem a diferença).

Homens e mulheres aprendam: Local de trabalho não é bar de paquera, a pessoa não precisa ter que dizer isto para que a outra entenda. Seja o mínimo que se espera dentro do local de trabalho: seja profissional.

Eu não me intitulo feminista, mas, já sofri assédio sexual com toque íntimo em meu ambiente de trabalho, é horrível, tu fica sem saber o que fazer, com uma imensa vergonha. No meu caso eu estava de roupa de "bloco cirúrgico" (aqueles uniformes de camiseta e calça largos), tinha apenas sido cordial com o colega de trabalho, sem nenhuma insinuação sexual ou de amizade, nada que pudesse ser interpretado diferente de cordialidade.

Aliás, se ele tivesse qualquer senso de respeito e tivesse realmente interesse em mim, poderia ter me telefonado ou enviado mensagem, fora do horário de trabalho, convidando para sair.

Qualquer coisa normal, qualquer coisa que pessoas mentalmente sadias fariam.

Porque não sou hipócrita, nem contra paquera ou sexo, só quero RESPEITO.

Mas, ao que parece, ALGUNS acreditam que se faltarem com o respeito mínimo, conseguirão mais facilmente sexo. O que é ridículo.
No meu caso, ele não era meu superior e eu era funcionária pública. Aliás, eu era chefia (não dele) o que tornou a situação ainda mais constrangedora. Pq se ocorreu o assédio, as pessoas tendem a achar que a mulher "deu entrada". E foi isto que os meus subordinados (na maioria) pensaram e até indagaram. Eu fiquei com tanta raiva, tanta vergonha, quase não consegui me mexer. A única resposta foi xingar em voz alta para que todos ouvissem (Seu sem vergonha!), e nunca mais permiti que chegasse a menos de 1 metro de mim (é claro que as outras pessoas me taxaram como doida). Talvez, se eu fosse profissional de nível hierárquico mais baixo, eu não conseguisse responder na mesma hora (ou depois), e tivesse medo de perder aquilo que leva comida para minha mesa: meu emprego. continuar lendo

Eunice, certa feita moça do trabalho passou a mão na minha perna. Eu achei aquilo extremamente invasivo, mas jurava que era um interesse da parte dela e eu correspondi. Então ela me humilhou com esse discurso moralista. Pra mim foi algo extremamente traumatizante, porque ela ainda ficou cheia de moral perto de mim... um absurdo... e ao contrário dela, eu não a toquei, somente perguntei se algo estava rolando... sou homem e fui vítima de um abuso.

Sugiro menos sexismo, a falta de noção não é característica de um gênero sexual ou qualquer outra classificação que queira dar. E ambiente de trabalho é lugar para paquera sim, como é lugar para bate papo e todo o tipo de socialização, que é bem saudável, desde que não seja feito de forma a prejudicar o trabalho e com respeito. Quem não para um segundo para tomar um cafezinho? continuar lendo

Lamento muito o seu caso, Eunice e sei que isso existe, que isso acontece. No entanto, eu sempre fico muito em dúvida em relação a esses números e estatísticas. Será mesmo que com todo esse debate na mídia os números deveriam aumentar. Será que alguns homens também não estão mais conscientes (ou temerosos)?!

Por sinal, o caso de assédio mais explicito e desavergonhado que eu escutei no últimos tempos foi de uma mulher à uma amiga advogada durante uma festa na OAB do meu estado. A pessoa tomou todas e perdeu a noção. Começou a encostar nessa minha amiga e dizer que ela era linda, que queria o telefone dela, que queria vê-la depois. E o mais interessante é que essa amiga advogada estava com o marido perto que nem percebeu, ou melhor, percebeu mas não entendeu nada.

Bem, mas voltando ao artigo em discussão, o que eu sei é que há muitos interesses envolvidos e eu prefiro duvidar de tudo... continuar lendo

Vocês ainda dão papo pra esses caras? Claramente estão debochando. Mandem se catar e pronto. Ora, deixem que fiquem falando sozinhos. Não tem cabimento esses caras ficarem arranjando desculpas furadas pra esses maus comportamentos em ambiente de trabalho. O nome já diz: ambiente de trabalho. continuar lendo

Daniel Machado

Concordo, passei já 3 vezes por situações como essa, e ambas repudiei pois já era inclusive casado, e mesmo dos 2 casos sabendo que eu era ainda sim vinha com esfrega esfrega e graças, acho que se os homens começarem a denunciar abusos (o que a polícia jamais faria nada) queria ver as estatísticas, mas infelizmente não acontecerá nada, porque vão dizer que é mulher, e pelo fato de ser mulher pode fazer então o que quiser e não é abuso? continuar lendo

Não deve ser errado cantar alguém no serviço, até porque é um ótimo lugar para se formar casais. Errado são três coisas:

- é insistir quando há rejeição, aí passa a ser assédio.
- é tocar a pessoa, porque o toque adequado no serviço é o aperto de mão que é consensual.
- é oprimir uma pessoa que te rejeitou, porque aí você está usando seu poder no trabalho para fins egocêntricos.

O resto é frescura.
Aliás, o que eu disse vale independente dos gêneros e opções sexuais. continuar lendo

Concordo. Tu me respondeu no meu comentário acima, queria dizer que eu também sei que mulheres assediam, e nossa, como já vi isto. É igualmente nojento. No meu comentário, eu escrevi toque íntimo, para suavizar toque na genitália e segurar. Se a mulher ou homem fazem uma coisa destas, são igualmente repugnantes. E também acho que pode sorrir, conversar, mostrar que gosta, pedir telefone, e etc... Óbvio, não sejamos hipócritas em relação a isto. O que não pode é assediar! Insistir, constranger, tocar intimamente ou de forma insistente. Concordo contigo. continuar lendo

Comparar os dados de 7 meses com os de de um ano inteiro é intelectualmente desonesto. continuar lendo

Sou contra qualquer tipo de assedio sexual, porque mesmo reconhecendo nossa origem animal e com isso, os instintos, precisamos fixar nosso comportamento na evolução da espécie e observar direitos, deveres e mais do que nunca, o respeito pela individualidade das pessoas.
O assédio existe no dia a dia, de forma natural. A própria paquera é um tipo de assédio. O comportamento liberal hoje tão defendido como parte da evolução, a liberdade sexual nunca antes tão explícita, tudo pode levar a que se misturem as coisas e muitas pessoas passem a ver outras como sendo seus iguais e desejosos de participarem dos mesmos jogos eróticos.
Quando a pessoa assediada reluta em denunciar ou deixar as coisas bem claras, seja qual for o motivo, de certa forma passa a concordar. A redução das denúncias, no meu entendimento, mostra que o medo de perder o emprego pode sim trazer maior permissividade e tolerância, o que contraria toda a lógica do feminismo.
Não existe "não gosto um pouco" ou "não aceito se for muito.
Ou sim, ou não. Se deixar transparecer que pode existir concordância, não reclame quando o problema se agravar.
Atitude, já e sempre. continuar lendo

"Quando a pessoa assediada reluta em denunciar ou deixar as coisas bem claras, seja qual for o motivo, de certa forma passa a concordar." Entendo, então quem não reage a assalto, também é conivente...
Assédio sexual - art. 216-A do Código Penal
Furto - Art. 155 do Código Penal.
Interessante abordagem que tira do criminoso a conduta, dependendo da inércia da vítima. Interessante. continuar lendo

Continua com dificuldade em entender. continuar lendo

Vejamos:
Em um assalto, você reage e pode morrer. Então voce não reage e depois, vivo, voce procura a polícia, a justiça e enfim...

Em um assédio:
Voce não reage, permite. Mas o assédio não ia matar você.
Depois, você procura a justiça.
Ok.
Porque permitiu e não procurou a justiça na mesma hora?

Não estou tirando do criminoso a conduta, estou colocando a vítima junto da conduta.
Se um faz e o outro permite, eles se merecem. continuar lendo

A vitima muitas vezes não reage, pois precisa daquele emprego, você já parou pra pensar que muitas vezes aquela é a unica fonte de renda dela, ela pode ter filhos pra criar ou qualquer outra responsabilidade, e por tais motivos teme ficar desempregada, ainda mais na situação atual do País, isso não significa que ela está sendo conivente com tal abuso ou muito menos que gosta da situação. continuar lendo

Stephanie:

É muito delicado falar sobre isso, porque para não ser entendido é rapidinho, mas se tivermos medo de expor nossas opiniões, o assunto acaba por ficar pouco discutido, e na minha opinião é exatamente o contrário que é necessário.
Quando uma mulher aceita o assédio sexual, porque precisa do dinheiro (nem vou entrar no mérito do por que) ela se rotula. Pode ser duro e triste, mas é a realidade. Favores sexuais em troca de benefícios, tem nome a milênios. Se calar, é uma forma de consentir.
Eu tenho 3 filhas, hoje todas adultas.
Sempre ensinei a elas que uma pessoa é como uma embalagem de um determinado produto. Se você não se rotular, não deixar bem claro quem é, pode ser confundida. Suas vestimentas, seus modos, comportamento, atitudes, fazem parte do seu rótulo, queira ou não.
Se você se rotula da maneira adequada e mesmo assim, insistem em não dar importância, bem... hora de mostrar o conteúdo!
Quem se vende por pouco, entrega menos do que recebeu e recebe mais do que entregou. Não tem meio termo.
Mostre sempre seu rótulo, repeti incansavelmente. Coincidência ou não, nunca foram importunadas. continuar lendo